terça-feira, 3 de abril de 2018

Liberdade de escrever - desenho 1966



Liberdade de escrever - desenho 1966 - canetinha esferográfica.
Início do ano escolar, totalmente angustiada com o andamento da ditadura militar, a estreiteza intelectual do meu entorno e o cerco à volta com impossibilidades de se viver livre no ir e vir, dizer e se expressar, e, não enxergar qualquer vislumbre de retorno à democracia, numa tarde, curvada sobre a mesa, no tradicional Colégio Jacobina, Rio de Janeiro, onde eu era uma das coordenadoras das alunas, apanhei um papel qualquer e fiz o desenho de uma casa, ampla e meio retirada num campo como imaginei. Disse para mim mesma, chega, dou as costas para este ocidente estreito e cruel, quero só desenhar pra nada, pra meu prazer, minha fuga, meu amparo emocional. Vou me segurar nas imagens sem preocupar-me com estilo, estética, forma, conteúdo; liberdade criadora, apenas. Abandonei a coordenação e segui na escuridão. E assim o desenho foi minha âncora, meu horizonte sem regras, sem metas. Até hoje desenho por desenhar, sem qualquer compromisso com a aceitação como produto de arte. 
- Computador, bico de pena, nanquim, 1982.
Por pura liberdade fiz exposições, participei de salões, viajei e mostrei meus trabalhos, mas sempre sem critério, sem amarras, sem compromissos. Se existe algum é somente o prazer de engendrar o que o cérebro e as emoções apontam com liberdade plena. Sim, disciplina, aperfeiçoamento, qualidade com materiais. Fico espantada como passou o tempo Kairos e Cronos, vertentes da vida. Várias fases e versões.
Agora, novamente, um aperto no peito diante do massacre á democracia, neste abrir para o terceiro milênio, em proporções grotescas, veladas, capciosas e não menos perversas, depois de mais de 50 anos em retrocessos e avanços. Coração ferido não enxerga o fio do horizonte neste ano de 2018, fio da cristandade que desconhece a humanidade real de Jesus de Nazaré histórico. Mesmo assim meu coração tão ferido tem a marca da esperança salvífica, diante dos atritos, das discórdias e, sobretudo, dos medos de evolução e progresso. O ser humano tem medo de ser feliz, de sair de suas acomodações e vícios, entretanto, espera-se que em sua sede de humanidade há de encontrar uma saída de renovação, entendimento, bondade, sabedoria, mais igualdade e fraternidade entre todos sem exclusões. É o que apreendo da Mãe Natureza que nos ama e nos abraça.

Flores Lilás para suavizar o coração sensível, bico de pena e aquarela, 2018.~
postagem - martha pires ferreira.

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